Maior cidade no Oeste do país é caminho para quem quer sair para Ucrânia; há relatos de espera de três dias na imigração
LVIV, UCRÂNIA — É gente de toda parte, que chega de todo jeito, sempre assustada, sempre cansada. E chega aos milhares. Em trens, de carro, em ônibus, do jeito que der. Chegam quase todos aqui em Lviv, a maior cidade ucraniana a oeste de Kiev, e o ponto de concentração das centenas de milhares de pessoas que tentam deixar o país em direção à União Europeia. A maior parte delas tenta cruzar a fronteira com a Polônia. Mas o destino, pra quase todo mundo aqui, não é exatamente o mais importante. O que importa para valer é ficar o mais longe possível do ponto de partida.
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Nenhum lugar é mais simbólico dessa diáspora trágica do que a estação ferroviária de Lviv. Estão aqui as melhores chances de conseguir escapar da Ucrânia de forma mais simples. Pelas estradas, há relatos de esperas de um, dois, até três dias nas filas de imigração. A pé, é preciso esperar no frio, na neve por mais de uma dúzia de horas. Nos trens, a curta viagem de pouco menos de 90 quilômetros que separa Lviv da cidade polonesa de Medyka pode durar até 18 horas. Mas há garantia de aquecimento e a certeza de que o destino é para fora de um país em guerra.

Sem homens
Svetlana Checheira, de 36 anos, passou as últimas 24 horas viajando com a mãe e três gatos de Kharkiv para Lviv. Ela não queria sair da cidade onde nasceu, cresceu e, acreditava, seguiria vivendo como uma professora primária.
— Mas as bombas começaram a cair muito perto, muito perto mesmo — dizia ela, numa fila imensa, que tomava toda a área subterrânea que dá acesso às plataformas. — Tentei convencer meu pai a vir embora, ele já tem mais de 60 anos, poderia sair, mas ele não quis. Disse que vai ficar para lutar. Meu marido ficou com ele. Vão lutar juntos.

Segundo as Nações Unidas, quase 900 mil ucranianos já deixaram o país nessa primeira semana de guerra. E a expectativa é de que muitos mais seguirão o mesmo caminho em direção aos países da União Europeia com o avanço das tropas russas, da violência, das mortes. Na estação, há poucos homens. Com a decisão do governo ucraniano de impedir que homens entre 18 e 60 anos deixem o país, quem foge são as mulheres, as crianças e os idosos.
Ekaterina tem só 16 anos. Deixou a cidade de Dnipro junto com a mãe. Vai para a casa de parentes na Polônia e, se as coisas não melhorarem, pensa em pedir refúgio na Alemanha.
— Mas eu acho que isso não vai ser necessário: já disse para minha mãe, em uma semana estaremos de volta, isso tudo vai acabar logo, não é possível que as coisas não voltem ao normal — dizia ela, ainda animada com a ideia de visitar os primos na Polônia.
O pai e o irmão mais velho, de 19 anos, ficaram.
— Meu irmão nem sabe atirar, mas disse que vai lutar para defender nossa cidade, não sei se acredito nele. Mas meu pai sim, ele já pegou um rifle, meu pai está preparado, ele é um homem muito corajoso.
O choro das crianças
Há pouco espaço nesta estação de trem construída em 1904 quando esta bela cidade ainda fazia parte do Império Austro-Húngaro e atendia por Lemberg, seu nome em alemão. Além das filas para trens incertos, com horários e destinos confusos, o salão principal se tornou um abrigo para quem chega de cidades distantes, como Kharkiv ou Kramatorsk.
Cansadas, esgotadas, muitas pessoas simplesmente dormem sobre o chão frio, apoiam-se umas às outras, buscam um canto qualquer para descansar o corpo. Em meio à cacofonia grave, o agudo choro das crianças parece equilibrar os tons. Volta e meia alguém cai aos prantos, alguém perde a paciência, alguém grita. Mas logo tudo volta ao normal com o falatório de milhares de vozes e o choro constante de crianças assustadas e fatigadas.

No lado de fora da estação uma neve fina, fraca, dessas que nem chegam a deixar nada branco, ampliava a dramaticidade de uma cena impensável para uma Europa que se imaginava imune às crises tão comuns de um mundo em que os protagonistas não têm olhos azuis, pele clara e cabelos amarelos.
O drama vivido por sírios, iraquianos, afegãos há tanto tempo e de forma tão constante agora está aqui, nessa cidade que se diz ser a mais europeia das cidades ucranianas. Uma cidade que desde 2014 acreditava estar a um passo de conquistar o sonho de livrar-se do jugo russo e ser parte indissociável do Ocidente.
— Eu olho tudo isso, vejo essas pessoas, e parece que estou num pesadelo, num sonho, numa alucinação, nem sei como descrever isso — conta Sergei, um jovem administrador de empresas, morador de Lviv.
Ele recebeu o chamado de um amigo de seu bairro. Juntou-se a outros vizinhos e desde o domingo está aqui na porta da estação distribuindo chá quente, doces, sanduíches para as pessoas que chegam de toda parte da Ucrânia.
— Eu não tenho treinamento militar e não vou ficar aqui se os russos chegarem, mas, até lá, vou ajudar como posso — contava ele, com um saco de balas em uma das mãos. — Dou uma bala a cada criança que vem aqui, não é nada, mas eu me lembro de ficar muito feliz quando ganhava balas quando era criança.
Alexei trouxe o piano
A noite ainda estava longe quando Alexei e um grupo de colegas surgiu no canteiro principal que dá acesso à estação carregando um piano. Um piano mesmo, desses de madeira, pesado. Foram necessárias seis pessoas para carregá-lo até a porta da estação ferroviária. Colocaram o instrumento perto de uma pilastra e bem perto da escada que dá acesso ao salão principal.