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“Nossa última coleção de alta-costura foi concebida em um breve período de esperança: era abril. As vacinas estavam se tornando amplamente disponíveis. Viajar se tornava uma possibilidade novamente. Podíamos começar a imaginar que nosso pesadelo coletivo ficava para trás, ou pelo menos logo ficaria. E, no entanto, agora, entrelaçada com essa esperança, há uma sensação de perda. A perda de pessoas, mais dolorosamente. Mas também a perda de certeza, nossa perda de garantia, a perda do nosso futuro coletivo.”
As aspas acima são de Daniel Roseberry, diretor de criação da Schiaparelli. Em nota, o estilista explica que, nesta temporada, ele não estava muito a fim da pompa e excessos comumente associados à couture. “Ao longo das 23 provas desta coleção, percebi que o que parecia emocionante, neste momento, era algo diferente, algo contido. De repente, cores pareciam erradas para mim. Assim como os volumes”, continuou.
O estadunidense não está sozinho. Os primeiros dias de desfiles de verão 2022 de alta-costura foram marcados por coleções de formas, paletas, silhuetas e ideias bem controladas. Dá para entender. Em tempos incertos, é comum buscar refúgio nas tradições bem consolidadas. O que é conhecido assusta menos, parece mais seguro.

Na Chanel, Virginie Viard focou na relação entre rigor e leveza. Combinou jaquetas e casacos estruturados com calças, saias e vestidos de tecidos leves e transparentes, como seda e organza. Os tailleurs de tweed também entram no jogo de contrastes. As saias de alguns deles eram entreabertas na parte da frente para revelar camadas de rendas.
A ideia começou pelo cenário. Assinado pelo artista Xavier Veilhan, o espaço era um mix de picadeiro com teatro aberto. Sobre a sinuosa passarela de areia, estavam suspensas formas geométricas quase sempre circulares, meio rodas, meio discos, meio relógios.
A decoração foi inspirada na instalação de Veilhan no pavilhão francês da Bienal de Veneza de 2017. A ideia, na época, era propor uma imersão no mundo dos estúdios de gravação. Aqui, as influências são mais aleatórias, vão do construtivismo à paixão do artista pelo universo equestre.

“Suas referências ao construtivismo me lembra as de Karl Lagerfeld”, disse Virginie. “Gosto da similaridade de espírito entre nós, agora e através do tempo. Além de criar a decoração do show com suas inspirações nos anos 1920 e 1930, Xavier queria trabalhar com Charlotte Casiraghi. Seu universo artístico é cheio de cavalos e Charlotte é uma amazona habilidosa.”
É a princesa de Mônaco e embaixadora da maison quem abre o desfile, montada num cavalo e vestindo uma jaqueta Chanel. Sua passagem começa com um trote elegante e termina em galope. Seu look, porém, segue intacto ao longo de todo o percurso, reforçando a ideia de restrição. Qualidade que não se abala nem com as decorações onipresentes, como os bordados inspirados em obras de Sonia Delaunay, as flores de tecidos, as plumas e os botões-joia.
Na alta-costura, tais elementos não são meramente decorativos, são partes essenciais às construções, texturas e aparências das roupas. Não se trata de algo novo. Na verdade, é um dos princípios deste métier, e o fato de nem sempre estarem aparentes é parte da sua excelência.

Maria Grazia Chiuri, diretora de criação da Dior, dedicou sua mais recente coleção – e a melhor desde que assumiu o posto, em 2016 – ao fator humano do processo de criação. Tratando-se de couture, todas as etapas de confecção são manuais e contam com o trabalho minucioso de toda uma equipe de costureiros, bordadeiros e outros artesãos.
A imagem não é das mais emocionantes, e isso não é à toa. Ainda mais em tempos de superdigitalização e impessoalidades. Como Viard, Chiuri aposta numa cartela restrita de branco, preto, marinho e cinza. As cores servem como pano de fundo para o rico trabalho artesanal. Os bordados, ponto central do verão 2022, servem como costuras juntando as partes de blazers, vestidos e conjuntos de alfaiataria. São eles que dão peso, forma e silhueta – todas essencialmente Dior – aos looks.
O contraste entre rigidez e fluidez também marca presença. Os destaques, porém, não são a combinação de texturas ricamente bordadas com tule ou organza. É a série de conjuntos de cashmere e seda, com formas precisas que combinam estrutura e fluidez numa mesma peça com imensa maestria.